Baseado na experiência do plebiscito do Brexit, das eleições de Trump, de Orban, do Movimento 5 Estrelas e até do presidente Bolsonaro, o autor do livro Os Engenheiros do caos, Giuliano da Empoli, traz em sua obra quem seriam esses engenheiros que levam o nome do livro. Os engenheiros do caos seriam as pessoas por trás de empresas publicitárias, de controle de “Big data”, responsáveis pelo monitoramento de informações e influência sobre toda a coletividade.
O autor defende que, sem esses engenheiros do caos, que são verdadeiros cientistas de dados, os políticos populistas não teriam chegado ao poder. E ele cita explicitamente alguns desses engenheiros: Gianroberto Casaleggio, um especialista em marketing que funda o Movimento 5 Estrelas na Itália; Dominic Cummings, diretor da campanha do Brexit; Steve Bannon, que conduziu Trump à vitória.
Objetivo do livro
O livro nos traz uma importantíssima observação sobre a influência da internet e redes sociais na política, especificamente nas democracias liberais e nos deixa refletindo em como será futuramente: vamos continuar tendo grupos radicais no mundo virtual ou voltaremos para o consenso e debates democráticos?
O objetivo, de maneira geral, é o de compreender de que maneira as redes sociais têm sido mobilizadas por grupos de extrema-direita, não apenas para chegarem ao poder, mas para desestabilizarem e minarem as instituições democráticas. Assim, nos permite entender o porquê de a política ter se tornado recorrente no mundo virtual e como alguns personagens inimagináveis chegaram ao poder.
O autor italiano Giuliano da Empoli mostra como a Fakenews e o “Big Data” mudaram o comportamento político na tentativa de ascensão ao poder. Gasta-se mais tempo e energia para manipular as massas através da disseminação do ódio, preconceito e divulgação de falsos acontecimentos do que um bom projeto de governo. E o que parece nos representar, acaba gerando uma crise na democracia, pois em um mundo de fake news e disseminação de informações, só há uma preocupação na quantidade de apoio nas redes sociais.
Netflix da política
Um dos capítulos do livro que mais chamam atenção, na minha opinião, é o capítulo Netflix da política. O segundo capítulo do livro Engenheiros do Caos – Netflix da política – nos traz de cara a afirmação de que temos uma temível máquina política gerada pelo populismo tradicional junto ao algoritmo. “Uma máquina superpoderosa, concebida originalmente para mirar com precisão incrível em cada consumidor, seus gostos e suas aspirações, irrompeu na política”.
O fato é que as redes socias não foram criadas para nenhum objetivo político, mas como acabaram se tornando uma ferramenta poderosa, políticos e movimentos começaram a fazer a política digital. As redes não são talhadas para a conspiração, esse não era o objetivo. Acontece que hoje funciona como instrumento para provocar fortes emoções, polêmicas, indignação e raiva. Essas emoções geram cliques e mantêm os usuários colocados ao monitor. Inclusive o MIT fez um estudo e demonstrou que uma informação falsa tem 70% a mais de probabilidade de ser compartilhada na internet, pois é muito mais original e atinge muito mais pessoas. É exatamente isso que querem, engajamento, não importando qual o conteúdo ou sua coerência e veracidade, até porque para o algoritmo não importa que tipo de conteúdo é destacado, importa a quantidade de curtidas e compartilhamentos. Os políticos que ascenderam no poder, os populistas, entenderam bem essa lógica do engajamento e simplesmente a reproduziram.
Internet e democracia
Hoje, vivemos de maneira quase dependente das redes sociais e da internet, vemos uma oportunidade de participação e de interação em assuntos políticos, consideramos a internet como um instrumento de revolução democrática em que tiramos os políticos tradicionais para colocar homens comuns. No entanto, apesar de nós eleitores vermos essa oportunidade democrática no uso da internet e redes sociais, para os políticos, a internet é um instrumento de controle, é uma forma de captar dados e informações a fim de utilizá-los para fins comerciais e políticos. O autor mostra o crescimento da internet e redes sociais mudou a forma de fazer política, e isso prejudica a democracia liberal representativa.
Talvez possamos achar que todo o movimento que vem acontecendo seja uma grande coincidência e não nos ligamos aos reais fatos de que seja tudo muito organizado e programado. Será mesmo que o renascimento da extrema direita em vários países foi uma coincidência? São movimentos compostos de personagens improváveis, sem experiência e isso traz vantagens. Pela falta de experiencia, são mais controláveis e podem até ser substituídos tranquilamente. A ignorância, a gramática aproximativa e gafes frequentes os humanizam e fazem com que sejam percebidos como mais próximos do povo e mais distantes dos políticos tradicionais.
O livro nos traz a ideia do Movimento 5 Estrelas, movimento foi criado sob o alicerce da união solidária de dois componentes: o diálogo e o digital. O Movimento é uma das principais forças da extrema direita na Itália e não funciona como um movimento tradicional, mas como o PageRank do Google. Ele não tem visão, programa ou qualquer conteúdo ou agenda positivos. É um simples algoritmo construído para interceptar o consenso graças a assuntos e tópicos “que funcionam”. O partido-algoritmo criado por Casaleggio tem por objetivo único satisfazer de modo rápido e eficaz a demanda de consumidores políticos.
O Movimento 5 Estrelas não tinha nem partido e era liderado por um comediante chamado Beppe Grillo que, com a parceria com Gianroberto Casaleggio, deu origem a um blog cujas notícias eram recortadas, sob medida, para viralizar nas redes sociais e gerar retornos publicitários significativos para o partido-empresa. O Movimento acabou se tornando em 2013 o partido mais votado na Itália.
O uso de algoritmos na política
Vemos o tecnopopulismo ideológico fundado em algoritmos. Através dos números, todas nossas vontades, opiniões e desejos são analisados a partir dos dados da internet e são transformados em estatísticas. E para isso ser feito, nem mesmo a criação de um partido político é preciso, e aí entra o que denomina de Partido Algoritmo. Não precisa criar uma ideologia, projetos de governo, basta seguir a direção na qual caminha a opinião pública, fazendo um monitoramento diário.
Os engenheiros do caos trabalham a lógica quântica, a lógica do algoritmo. Eles não buscam fazer política, discutir projetos, fazer acordos, o foco é mesmo a polarização, o que dá mais engajamento e chama mais atenção nas redes. E mais: eles não ligam para quem os critica dizendo que não falam coisas coerentes. Os políticos populistas atuais nem precisam se preocupar em ter, efetivamente, uma ideologia a seguir e defender, eles seguem os assuntos e o posicionamento que está em maior destaque nas redes sociais. Isso gera engajamento e, consequentemente, apoio e voto.
Valendo-se da disseminação de fake news, de teorias conspiração nas redes sociais e a utilização de dados privados dos cidadãos, esses personagens se aproveitaram de uma crise que as democracias liberais estavam passando para instigar sentimentos negativos de raiva e de ira contra a política de maneira geral. Eles aproveitaram o repulso de muitos pela política tradicional e criaram uma nova forma de “fazer política” em um novo instrumento. E por ser aparentemente tudo muito novo, essas lideranças são consideradas autênticas e diferentes da elite tradicional. A atuação dos “engenheiros do caos” estimulou o sentimento de indignação contra o sistema tradicional e as elites.
Talvez aí resida o ponto central do argumento de Empoli e que merece ser enfatizado. Percebemos que esses movimentos utilizaram as redes sociais e seus algoritmos para interceptar e manipular os eleitores. O objetivo era exatamente o de mexer com as emoções do eleitorado a fim de mobilizar cidadãos antes indiferentes ou descontentes com a política, potencializado ao máximo seu engajamento.
Conclusão
O principal resultado de toda essa disseminação nas redes sociais é que o objetivo da política passou a ser não mais produzir qualquer tipo de diálogo e consenso, mas sim o dissenso radical. “Se, no passado, o jogo político consistia em divulgar uma mensagem que unificava”, diz Empoli, “hoje se trata de desunir da maneira mais explosiva”. A ira contra o inimigo construído – que não deve ser apenas derrotado eleitoralmente, mas destruído politicamente – é potencializada pela disseminação de fake news e teorias da conspiração. Por mais que elas possam ser compartilhadas muitas vezes, elas não se tornam verdades, mas se tornam instrumentos de mobilização e fortalecimento das bases muito radicais. Os extremistas se tornam o centro do sistema, dando o tom e o compasso da discussão.
Com a ajuda dos engenheiros do caos, os políticos, ao invés de falarem para um público amplo, buscando consensos através de opiniões moderadas, usam estratégias desenhadas por esses engenheiros em análise de “Big Data” dirigindo mensagens a indivíduos e grupos isolados, de acordo com suas opiniões anteriormente registradas nas redes sociais. Essas mensagens, ao invés de serem moderadas e respeitosas, são radicais e desrespeitosas.
Assim, vemos que o autor nos leva a refletir e concluir que nós somos governados por algoritmos. Quanto maior o engajamento a uma informação, sendo verdadeira ou não, mais ela irá se difundir. O autor mostra claramente essa realidade na qual nos encontramos, onde o foco é o engajamento a partir das visões mais extremas, sem compromisso com a verdade e sem se importar com a contradição. A tática é manter-se sempre sob os holofotes com o uso da física e de cientistas dispostos a coletar, analisar e utilizar da maneira mais perversa os dados que nós, por livre e espontânea vontade, divulgamos sobre nossas preferências em cada curtida e compartilhamento nas redes sociais.
Gostou? Se você já leu o livro, deixe aqui seu comentário e sua análise do livro. Se ainda não leu, recomendo fazer a leitura o quanto antes, os Engenheiros do caos é uma obra intrigante.