Um dos maiores equívocos recorrentes na comunicação de governos é concentrar todos os esforços de divulgação na figura do mandatário principal, seja ele prefeito, governador ou presidente. Essa prática, comum em praticamente todas as esferas do poder executivo, compromete a percepção pública da gestão como um todo e sobrecarrega a imagem do próprio gestor — que passa a ser visto como único responsável por tudo que dá certo (e, pior, por tudo que dá errado).
O risco da superexposição
O modelo centrado no “gestor protagonista” parece, à primeira vista, eficaz. Afinal, é mais simples coordenar a comunicação de uma única figura do que lidar com múltiplas fontes institucionais e agendas setoriais. Mas essa facilidade inicial cobra um preço alto ao longo do tempo.
Quando um programa de governo falha, uma crise inesperada surge ou uma tragédia ocorre, é o gestor que está em evidência — e é ele quem sofre o desgaste direto. A comunicação baseada apenas em sua presença e declarações transforma o líder em escudo da gestão, anulando qualquer blindagem institucional que poderia protegê-lo.
Além disso, há um custo prático: o gestor se torna escravo da pauta. Precisa aparecer todos os dias, gerar boas notícias, participar de anúncios, gravar vídeos, marcar presença em eventos. Isso o afasta de atividades estratégicas como:
- Analisar métricas de desempenho;
- Dialogar com lideranças regionais;
- Articular com os outros poderes;
- Buscar soluções inovadoras fora do município;
- Atrair investimentos públicos e privados.
O apagamento das entregas da gestão
Esse modelo também apaga o trabalho das pastas e secretarias. O secretário de comunicação, absorvido pelo “cronograma do prefeito”, perde a capacidade de planejar de forma estratégica. A consequência é visível: poucas gestões têm suas políticas públicas reconhecidas pela população.
Exceções históricas mostram o quanto uma comunicação mais estruturada pode fortalecer legados. As gestões de Jaime Lerner em Curitiba são lembradas pela mobilidade urbana; Paulo Maluf ficou marcado por grandes obras; Fernando Henrique Cardoso pela estabilidade da moeda; e os dois primeiros mandatos de Lula pelo combate à fome e à desigualdade. Nessas gestões, houve marca de governo — e não apenas de governante.
Quando a imagem não condiz com a realidade
Há também o risco da dissonância cognitiva. É o que ocorre, por exemplo, com o prefeito Rodrigo Manga, de Sorocaba. Apesar de sua ampla exposição nas redes sociais e reconhecida popularidade digital, muitos moradores da cidade afirmam não ver, no cotidiano, os avanços prometidos. A imagem comunicada destoa da vivência real do cidadão, minando a confiança.
O desafio da profissionalização
Um dos maiores obstáculos para mudar esse cenário é o desconhecimento sobre comunicação política institucional. Muitos políticos não têm formação na área e acabam replicando modelos equivocados, guiados pela intuição ou pela moda do momento. Sem um entendimento claro do papel da comunicação como ferramenta de gestão e reputação, fica difícil investir em estrutura e planejamento de longo prazo.
Mas quando os envolvidos compreendem o que está em jogo — e o que se pode ganhar com uma abordagem profissional — as barreiras desaparecem. A comunicação deixa de ser cosmética e passa a ser estratégica.
A descentralização como solução
O caminho passa pela descentralização da comunicação. Não é o fim do protagonismo do gestor, mas a valorização de uma equipe que comunica as entregas de maneira organizada e coerente. Isso fortalece a imagem institucional, protege o líder em momentos de crise e ainda abre espaço para o surgimento de novas lideranças políticas, já que secretários e coordenadores ganham visibilidade e reconhecimento.
O papel estratégico da Secom
Para isso funcionar, a secretaria de comunicação precisa assumir um papel ativo e estratégico. Mas a estrutura ideal varia conforme a realidade de cada cidade. Perguntas-chave devem ser feitas:
- Haverá uma agência contratada ou apenas equipe interna?
- As secretarias terão estrutura própria de comunicação ou tudo passará pela Secom?
- A Secom será responsável por alimentar redes sociais, site institucional, interlocução por WhatsApp, ou apenas campanhas tradicionais?
Com base nas respostas, deve-se construir uma estrutura funcional, capaz de:
- Levantar pautas das principais secretarias;
- Organizar um calendário editorial;
- Distribuir espaço midiático de forma proporcional;
- Montar a agenda do gestor com lógica própria — sem que ela se confunda com a pauta da gestão.
A comunicação pública, quando bem feita, é ferramenta de governança. Ela conecta atos de governo à percepção das pessoas e ajuda a transformar realizações em reputação.