Vamos começar esse artigo com um modo de usar. A ideia de trazer pensadores clássicos e contemporâneos das ciências sociais para este canal veio da sugestão de um grupo de alunos e profissionais de marketing político durante os cursos do programa MasterClass Eleições, realizado pela escola de marketing e comunicação política Presença Online.
Muitas vezes, quando atuamos nesse mercado, somos levados pelo habitus, a entrar no que chamamos de “modo automático”, repetindo e criando novas práticas em uma busca incessante por resultados práticos (preferindo sempre os vitoriosos e descartando os aprendizados que apenas as derrotas nos proporcionam).
O que proponho aqui é uma nova forma de olharmos e pensarmos nosso dia a dia profissional, recuperando já-ditos no decorrer da História.
A partir deste artigo, apresento uma proposta complementar para refletirmos as estratégias cotidianas, a partir das reflexões construídas por alguns pensadores clássicos que podem contribuir para uma visão crítica e criativa do que anda acontecendo no mundo da prática da comunicação política.
Bom esclarecer que entendo um clássico em seu conceito de lugar-comum: um livro ou um autor que representa o período em que foi escrito e que atravessa gerações sem perder seu valor, incluindo aqui a lista de críticas e objeções acumulados com o passar do tempo.
Minhas dicas de leituras e vídeos estarão sempre relacionadas a conhecimentos que podem contribuir para a compreensão de algumas escolhas realizadas estruturação de ações de comunicação política.
É um convite a novas formas de pensar (ou penar… muitas vezes) e organizei esse itinerário em seis temas, compostos de diversas abordagens, como explico abaixo.
Como teóricos sociais ajudam seu projeto de comunicação política?
- Um trio para começar: Emilie Durkheim (?), Karl Marx e Max Weber
- Um trio de pensadores brasileiros: Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Jr.
- Um trio de pensadores franceses: ❤ Foucault, ❤ Deleuze e Derrida
- Um trio de mulheres que deveriam ser lidas: Hanna Arendt, Mary Douglas e bel hooks
- Série #treta: Direita ou esquerda – leia Bobbio antes de falar bobagem ?♀
- Série #treta: Ideologia para Bourdieu, Marx e Foucault ?
Mas antes de continuarmos essa série, pela sua saúde e noite de sono, alguns avisos são fundamentais:
Aviso 1: Os autores e autoras trazidos aqui têm uma obra extensa e minhas indicações partem de um recorte pessoal, com base em minhas pesquisas. Alguns/algumas leitores/leitoras podem classificar como um visão utilitarista dos pensamentos, outras podem contribuir com indicações de leituras e novos olhares.
Aviso 2: Não leia a “ferro e fogo”. Contextualize, pondere e construa sua crítica fundamentada e não “porque não”.
Aviso 3: Trabalhamos com ciência (ponto final).
Aviso 4: “Mas, Maíra! Esses/essas nem são os/as mais importantes!” Pra mim são! Escreva a sua e publique aqui. ;*
Um trio para começar: Emilie Durkheim, Karl Marx e Max Weber
Conhecidos como: a tríade da sociologia clássica, vamos começar com Émile Durkheim
Quem
Émile Durkheim (1858 – 1917)
Por que ler Durkheim
Para o primeiro parágrafo do Wikipédia ele é descrito como o TUDÃO: “foi um sociólogo, antropólogo, cientista político, psicólogo social e filósofo francês”.
A importância de sua leitura está no fato dele ter (de acordo com os cânones que definem a ciência), tornado a “sociologia uma ciência e, com Karl Marx e Max Weber, é comumente citado como o principal arquiteto da ciência social moderna e pai da sociologia”.
Em outras palavras…
Criou o método sociológico, uma ciência humana que tivesse o mesmo rigor das ciências da natureza (ex: biologia, química e física). Isto é, propôs objetos de estudo e métodos rigorosos de análise em um campo até então sem conhecimento científico sistematizado, entendendo fatos sociais como coisas a serem estudas.
Quando trucar com Durkheim
Quando uma conversa ou uma reunião com viés sócio-político fugir da lógica e entrar na fase do achismo e opinismo, use ♣ zap-Durkheim ♣ para racionalizar e lembrar que “senso comum” não é “método científico”.
Se você for um usuário avançado das leituras, pode re-trucar uma narrativa meritocrática, desconstruindo o discurso da escolha racional, já que para Durk <3, os pensamentos dependem das instituições. ?
Recomendação de leitura para o profissional de marketing político
Livro: Da Divisão do Trabalho Social
Indico: Capítulo 2 – Solidariedade mecânica ou por similitudes e Capítulo 3 – A solidariedade devida à divisão do trabalho ou orgânica
O que tem nesse texto?
Publicado em 1893, nesse texto Durkheim apresenta os conceitos de “solidariedade mecânica” e “solidariedade orgânica” que sustentam a “coesão social” em diferentes sociedades.
? Grosso modo, “grupos sociais segmentários”ou “de formato mais simples” ou “sociedades pré-capitalistas” (escolha o que lhe for mais adequado) são menores e, consequentemente, possibilitam maior grau de controle. Ao mesmo tempo, os membros desse grupo têm mais contato um com o outro, o que leva ao desenvolvimento de uma forma de solidariedade mecânica.
O grupo identifica-se com um um objetivo comum fortalecido pela noção de comunidade.
Já, as “sociedades complexas” ou “sociedades capitalistas” ou “sociedades da era pós-industrial” tendem a comportarem-se como organismos.
Não há uma coesão por completo e sim coesões de grupos especializados: vários núcleos de indivíduos estabelecem vínculos solidários entre si. Essa coesão levaria a uma solidariedade orgânica, no pensamento durkheimiano.
Críticas atuais
Uma das principais críticas a Durkheim vem de sua influência às ideias evolucionistas, principalmente sua inspiração por Auguste Comte.
Os conceitos de solidariedade mecânica e orgânica foram fundamentais em sua busca para compreender a sociedade moderna (pós-Revolução Francesa). Mas muitos estudiosos contemporâneos defendem que Durkheim abandonou essas ideias com o amadurecimento de seus estudos, minimizando as contribuição para olharmos o mundo contemporâneo.
Por outro lado, Mary Douglas, antropóloga britânica (1921-2007), reconhecida durkheimiana, construiu uma obra recorrendo aos conceitos de solidariedade para desconstruir o discurso economicista e da escolha racional. (Vou abordar Mary Douglas em maio)
E você com isso?
Pense nos grupos que você precisa impactar no seu plano de comunicação política.
O que faz você compreender esse agrupamento de indivíduos como um grupo?
Para Durkheim, família, escola, estado e religião são instituições sociais e relacionam-se com a coesão social e pertencimento, aqui localizamos o conceito de solidariedade, o que nos leva também ao poder do laço social.
Toda pessoa é afetada pela qualidade da confiança que a cerca e a formação de um grupo parte de uma base compartilhada de conhecimentos e de padrões morais.
Como exemplo, estabelecer laços de confiança com seu público-alvo (grupos como eleitores, cidadãos etc) contribui para que suas mensagens sejam compreendidas com menos ruído cognitivo. No senso prático, questões como essas são abordadas nos cursos de construção de reputação.
Estratégias de construção de reputação política em uma visão durkheimiana, nada mais são do que construção de cooperação e solidariedade vinculadas a um grupo, com o fim de reduzir rejeição e desconfiança. Suspeitas impossibilitam a cooperação e dificultam o engajamento a uma mensagem.
Adendo
– Maíra, manda um desenho aí pra facilitar…
– Toma.
Bônus: esse vídeo tem um mapa mental bem legal sobre as teorias durkheimianas
Quem é o próximo?
Toda semana um novo teórico vai aparecer por aqui.
Continuando nossa tríade da sociologia clássica, o próximo será Karl Marx.
Se você é daqueles que já pensou “comunista!”, vou te mostrar uma outra história marxista.