Comunicar é relacionar-se, essa é a base, mas, no setor público, esse fundamento simples tem sido constantemente negligenciado em nome de uma comunicação que ainda insiste em se parecer com publicidade dos anos 90: fria, unilateral, formatada para convencer sem dialogar. O problema é que o público mudou.
Hoje, comunicar já não é “informar” no sentido clássico, mas estabelecer vínculo, criar intimidade, abrir um espaço de troca que dê ao cidadão a sensação de participação e pertencimento. O erro mais comum das instituições públicas e dos políticos é justamente acreditar que basta postar para se comunicar. A comunicação em rede não é sobre quantidade de posts, mas sobre qualidade de relação.
O fim da era do consumidor passivo
Durante décadas, famílias inteiras foram consumidoras passivas de conteúdo, muitas vezes, sem filtro. Ligavam a TV, folheavam jornais ou ouviam rádio, absorvendo propaganda e informação como quem engole comprimidos sem água. Misturava-se entretenimento com publicidade, novela com merchandising, jornal com editorial, e o público seguia, absorvia, e consumia. Mas como tantas outras coisas, a internet também transformou essas relações.
O avanço tecnológico deu voz a quem antes era mero espectador, que com maior ou menor maturidade crítica, tem muito a dizer. O público não aceita mais ser consumidor passivo de informação e propaganda, quer interagir, comentar, criticar, corrigir, propor. E mais: quer se ver representado, reconhecido, e aceito em sua totalidade, inclusive nos defeitos, fragilidades e vergonhas que antes ficavam escondidas.
Essa é a grande virada de chave. O público agora busca identificação.
Na política, esse processo é ainda mais evidente. O produto oferecido não é tangível, aqui, o que se vende são reputação, história e principalmente ideias, e ideias são abstratas. Elas exigem tradução em narrativas, exemplos e imagens que façam sentido para quem recebe, e é justamente esse “fazer sentido” que mudou.
A crença de que determinado político é o melhor para representar uma comunidade nasce de um conjunto de fatores que passam por identificação de classe, valores compartilhados, linguagem verbal e não verbal, e hoje mais do que nunca, capacidade de escuta. A política deixou de ser unilateral. Não vamos decretar com isso a morte dos jingles chicletes e dos slogans repetidos à exaustão, mas alertar para o fato de que, na internet, o eleitor desconfia instantaneamente de qualquer coisa que pareça propaganda.
Pesquisas recentes confirmam o tamanho do desafio: segundo levantamento da Provokers (2021), apenas 39% dos brasileiros atribuem uma reputação excelente aos profissionais de marketing, índice muito abaixo de médicos (78%), professores (75%) e até feirantes (58%). Estamos no mesmo patamar de confiança de motoristas de aplicativo, e apenas ligeiramente acima de coaches e vendedores de carros usados. Essa desconfiança estrutural reforça a necessidade de repensar o modo como o setor público e a política produzem conteúdo: é preciso criar relações autênticas, sob pena de ver qualquer mensagem descartada de imediato pelo cidadão. As pessoas sabem identificar quando estão sendo persuadidas, e ao menor sinal de artificialidade, recuam. O motivo? Elas não acessam as redes sociais para comprar, seja produtos ou ideias, elas acessam para se relacionar e se entreter.
É por isso que campanhas digitais que mantêm a estética da propaganda clássica, com vídeos engessados e super produzidos, narradores em off, trilhas épicas e falas decoradas fracassam nas redes. O público olha e identifica: “isso é propaganda”. E quando essa identificação ocorre, o conteúdo está morto antes mesmo de começar.
Vale ressaltar que cada formato de material encontra o seu canal adequado. As peças bem produzidas, com alto investimento em edição, narrativas longas e forte apelo emocional, continuam a ter espaço, mas seu canal de transmissão é a televisão, meio onde o público está disposto a se manter por mais tempo diante de uma única mensagem. Já no ambiente digital, a lógica é outra: o conteúdo precisa ser ágil, direto e dinâmico, adaptado ao comportamento de consumo fragmentado e veloz das redes. Não se trata de abandonar a qualidade, mas de reconhecer que na internet a competição pela atenção requer um conteúdo diferente, e somente quem ajusta a linguagem ao perfil do veículo consegue se manter relevante.
O desafio do setor público e da política, portanto, é construir uma comunicação que não pareça marketing. Porque, no fundo, o objetivo não mudou: é convencer, engajar, mobilizar. Mas a forma, sim, precisa mudar radicalmente.
A métrica almejada agora é a de atenção capturada
Se a comunicação mudou, as métricas também mudaram, e as métricas tornaram-se mais precisas e ágeis. Com o avanço do digital, curtidas e visualizações brutas tornam-se métricas de vaidade. No cenário digital atual, duas métricas se tornam fundamentais para avaliar a eficácia de um conteúdo: Atenção Capturada e Incrementalidade.
Atenção Capturada mostra o quanto o conteúdo foi capaz de prender o espectador até o final. É a régua da retenção, que revela se a mensagem teve força suficiente para atravessar os primeiros segundos e permanecer viva até o último frame.
Incrementalidade, por sua vez, mede a capacidade de gerar crescimento real em cima da base já existente: alcançar novos públicos, ampliar engajamento, conquistar atenção adicional que não viria sem aquele esforço específico de comunicação.
Um vídeo que alcança 100 mil pessoas, mas prende apenas 1% até o fim não cumpriu sua função. Já um conteúdo menor, que segura 15% da audiência até o último segundo e ainda gera incremento de novos públicos, entrega muito mais valor estratégico.
Essas duas métricas devem guiar qualquer produção de conteúdo no setor público. Porque o verdadeiro desafio não é apenas aparecer: é reter a atenção e expandir alcance de forma inteligente.
Comunicação pública como estratégia de poder
Produzir conteúdo no setor público não é apenas “informar a população”. É disputar espaço de memória, moldar percepções e consolidar autoridade. Cada post, cada vídeo, cada fala é uma peça em um tabuleiro maior: o da construção de legitimidade. Porque, no fim, comunicar é exercer poder.
Um governo que comunica bem amplia sua base de apoio, neutraliza críticas mais rapidamente e gera confiança para implementar políticas. Um político que comunica mal se torna refém da oposição, por mais que tenha realizações concretas para mostrar.
No ambiente digital, o cidadão é soberano. Ele escolhe se continua vendo, se compartilha, se comenta, se ignora. É ele quem dá o veredito final sobre a qualidade da comunicação, por isso, a produção de conteúdo no setor público precisa abandonar a rigidez institucional e se aproximar da vida real. Precisa de humor, de intimidade, de identificação. Precisa falar de gente para gente.
Mais do que métricas, o que está em jogo é a construção de vínculo. Porque a atenção é o bem mais escasso do nosso tempo. E capturá-la exige mais do que tecnologia, exige humanidade.
Concepção e redação: Alexandra Staudt



