A era de ouro dos marqueteiros tradicionais está ficando para trás. A nova comunicação política exige um entendimento ampliado de formatos, novas tecnologias, cultura de consumo de conteúdo dos eleitores, uso de dados para tomada de decisões, integração e complementação mídias, combate a fake news, entrega de conteúdos segmentados de acordo com públicos de interesse, uso de inteligência artificial, enfim, campanhas eleitorais muito mais complexas e profissionalizadas do que quando tínhamos apenas a mídia tradicional.
As limitações e as novas possibilidades nas campanhas eleitorais
Com o fim do financiamento corporativo e a implementação do teto de gastos para as campanhas eleitorais brasileiras, muita coisa mudou para os profissionais que atuam no marketing político, que agora precisam trabalhar com muito nível de profissionalismo elevado para criar conexões emocionais com eleitores, ao mesmo tempo que contam com orçamentos bem mais enxutos do que no passado.
A criação do período de pré-campanha, que permite aos candidatos se apresentarem como pretensos candidatos, a possibilidade de arrecadação prévia de recursos para a campanha, a permissão do impulsionamento de publicações em redes sociais e o aumento do uso cotidiano da internet pelos eleitores, configurou outro jogo para partidos e candidatos, agora muito mais dinâmico e complexo.
O período eleitoral, com pouco mais de seis semanas, continua sendo muito importante para os projetos eleitorais, mas sem dúvida alguma, não pode mais ser trabalhado de forma única, excluindo todo o trabalho da pré-campanha.
Na disputa pela atenção do eleitor, não vence apenas o melhor candidato, com as melhores ideias, mas prioritariamente, aquele que consegue ser visto pelo eleitor como alguém que o enxerga, sabe suas necessidades, tem noção de prioridade, é bem relacionado e sabe como resolver os problemas que se apresentam. O melhor período para formar a base desse raciocínio é, sem dúvidas, o da pré-campanha.
O marketing político remodelado diante de um universo de comunicação complexo
Aos novos marqueteiros cabe ampliar aquele trabalho que conhecíamos de criar linha narrativa, mensagem única, o conceito das campanhas. É preciso contemplar a diversidade de canais de entrega de conteúdos, a diversidade de formatos dos conteúdos, e a diversidade de pensamento dos eleitores, que apesar de parecem polarizados em alguns momentos, têm pontos de conexão muito mais ricos do que apenas a similaridade ideológica.
Quando as campanhas eleitorais eram baseadas, quase que exclusivamente no uso da televisão, era preciso encontrar uma boa linha para apresentar os candidatos sem causar ruídos em muitos grupos. As ideias tinham que convergir para o maior número de eleitores possível, por razão da impossibilidade de segmentação de conteúdo e de público.
Conforme o uso da internet foi crescendo, muito pela adoção de smartphones pela população e pelo avanço da banda larga, mais recentemente pela possibilidade de furar as bolhas ideológicas originadas pelos algoritmos das redes sociais, com o uso do impulsionamento, o conteúdo macro pensado para ser o mais palatável para o maior número de pessoas, precisou passar por uma revisão.
Para reter atenção do eleitor, é preciso muito mais do que um enlatado político, e sim, dar a ele a resposta para seu problema, do jeito que gosta de receber, nos meios que usa para se informar, no seu tempo.
Televisão, rádio, internet e rua, integradas, garantiram 85% dos votos a um prefeito
Quando coordenei a campanha Arthur Henrique, para prefeitura de Boa Vista em 2020, sucedendo Teresa Surita, percebemos que teríamos algumas dificuldades:
- Um candidato com perfil “técnico”, não-político e pouco conhecido da população;
- A desconfiança do eleitorado de que ele poderia “trair” sua antecessora (como outro sucessor fez anteriormente);
- Adversários experientes, apoiados por políticos influentes;
- Grande influência de compra de votos e de disseminação de boatos na região;
- Eleição em meio a uma pandemia (2020);
- Apenas 52 segundos de tempo de televisão e rádio (pouquíssimo tempo para quem precisa defender a gestão).
A seu favor, tínhamos um passado imaculado, uma boa aprovação da sua antecessora, uma equipe de marketing profissional, um grupo político bem organizado.
Para dar certo, foi preciso utilizar uma lógica de campanha integrada, e não apenas replicada, como é feito na maior parte das campanhas. Os programas eleitorais recebiam temas macro semanalmente, por exemplo, saúde. Na mesma semana o material de rua era sobre saúde, assim como vídeos, gráficos e textos complementares eram utilizados na internet, inclusive, com versões ampliadas e mais completas dos programas eleitorais, e com materiais que foram coletados e que não teriam espaço na televisão.
No impulsionamento, os avanços da pasta da saúde e as propostas eram entregues de forma segmentada, bairro a bairro, e em caso de o usuário interagir com os anúncios, era direcionado a uma página na internet específica sobre o tema, o que no marketing chamamos de “landing page”.
Apenas para Instagram e Facebook foram feitos 4.862 anúncios durante o período eleitoral. Esses anúncios alcançaram praticamente todo o eleitorado da capital roraimense, com cerca de 30 impactos para cada eleitor conectado.
E a integração não ficava relacionada apenas a comunicação e ao marketing político, mas também ia para as ruas, com candidatos a vereança recebendo as principais pautas da saúde, de acordo com sua região, e com impressos temáticos com “QR Code” para uma página específica sobre o tema da semana. Para que tudo se encaixasse, o candidato também recebia uma guia com informações importantes para que pudessem ser utilizadas em seus discursos nos eventos.
No primeiro turno, Arthur recebeu pouco mais de 49% dos votos, contra cerca de 10% do segundo colocado. No segundo, a vitória veio com 85% dos votos.
Neste vídeo o prefeito de Boa Vista, Arthur Henrique, fala sobre esse papel do marqueteiro em sua campanha de 2020.
Acredito que essa mudança no foco do marqueteiro não é algo pontual, mas será necessária para todos que atuam em campanhas eleitorais acirradas, necessitando de um uso mais balanceado de conteúdos de acordo com os públicos definidos, e de uma integração real entre todos os meios de comunicação e seus respectivos canais, sejam físicos ou virtuais.