Este artigo faz parte da série sobre teóricos das ciências sociais e como seus pensamentos e teorias podem contribuir para uma visão crítica e criativa do que anda acontecendo no mundo da prática da comunicação e do marketing político.
Para saber mais, dá uma lida no primeiro artigo sobre Emilie Durkheim, lá explico melhor os objetivos dessa série e a programação completa.
Hoje eu quero falar sobre fetichismo. Sim, fetichismo.
Mesmo a distância, percebo a mudança de expressão no seu rosto. Sei que há uma grande chance de você ter clicado neste texto pensando em:
Lamento decepcioná-lo(a). Não vou entrar nesse fetichismo freudiano.
Mas, o que trago hoje também é algo muito interessante, sedutor e sexy. ?
É sobre “uma relação social definida, estabelecida entre os homens” que “assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas”.
Curtiu? Este texto é sobre o fetichismo em Karl Marx e sobre como você, mesmo se for um sócio do clube anti-marxista, faz parte dessa relação.
Agora pare!
Se você é da turma que já vai me chamar de m̶a̶s̶o̶q̶u̶i̶s̶t̶a̶ marxista, sugiro que você vá direto para o item Críticas atuais, um pouquinho mais pra baixo…
Ali, você vai perceber que eu fui c̶a̶r̶i̶n̶h̶o̶s̶a̶ ̶̶c̶a̶r̶i̶d̶o̶s̶a̶ legal e já deixei uma lista pronta, explicando didaticamente diversas orientações teóricas que consideram o pensamento de Marx u̶m̶ ̶p̶o̶r̶r̶e̶ algo a ser superado ou revisto.
Eu sei que você será uma pessoa bem aberta a aprender coisas novas ᕦ(ツ)ᕤ
Um trio para (re)começar: Emilie Durkheim, Karl Marx e Max Weber
Conhecidos como a tríade da sociologia clássica, já falamos de Émile Durkheim, agora vem Karl Marx (e logo aparece o Weber)
Quem
Karl Marx (1818-1883)
Por que ler Marx
Acima de tudo, para você não passar vergonha usando as expressões marxismo, socialismo e comunismo como sinônimos.
? Grosso modo, segundo a teoria marxista, o socialismo é um caminho para se chegar ao comunismo, sendo esse último, um sistema de organização da sociedade que substituiria o capitalismo com o fim das classes sociais e do Estado.
Em 1516, Thomas More já elaborava em seu livro “Utopia”, os pilares de uma sociedade baseada na propriedade comum (socialismo). O comunismo, por sua vez foi teorizado séculos depois por Karl Marx e Friedrich Engels, como a alternativa ao capitalismo. Aqui você encontra um quadro bem detalhado sobre os conceitos.
Os bem-estudados sobre o tema afirmam que nunca houve um país comunista de fato, muitos questionam até mesmo a existência de países socialistas.
Um outro motivo, bem simplista, para você ler Marx é a opinião de Delfim Netto, economista e político brasileiro que já passou pela Arena, (P)MDB e hoje no PP.
Segundo esse homem de direita conservador, é importante ler Marx “Porque Marx não é moda. É eterno!” ¯\_(ツ)_/¯
Em outras palavras…
Leia antes de falar bobagem.
Quando sentar na cadeira do Marx
O contexto do pensamento de Marx é o da Revolução Industrial. (se você matou essa aula assista a esse vídeo rápido)
Esse pensador dedicou-se mais a compreender e interpretar as relações dentro do sistema capitalista do que efetivamente criar a proposta de uma sociedade comunista.
Antes de fazer uma crítica ao capitalismo (fundamental no conjunto de sua obra), buscou compreender o contexto (estrutura), os elementos desse contexto (superestrutura), criou e aprimorou conceitos que sustentassem sua teoria materialista histórica (classe social, luta de classes, mais-valia, alienação, força de trabalho, entre outros). Enfim, estruturou racionalmente sua proposta de ação.
Em resumo, se sentarmos na cadeira de Marx, entendemos que para propor algo novo é necessário conhecer (e bem) o que está vigente.
Então, quando um ser humano ou um grupo deles chegar com uma ideia genial e inovadora, que resolve os problemas do mundo (ou só o seu) pergunte quanto tempo levou a criação dessa solução, qual a relação com o contexto sócio-econômico-cultural e quais os conceitos sustentam a proposta.
Afastar os beócios é um bônus quando se conhece Karl Marx.
Recomendação de leitura para o profissional de marketing político
Texto: O caráter fetichista da mercadoria e seu segredo
O que tem nesse texto?
“Fetichismo” é um conceito-chave para entender a obra de Marx como um todo. Esse seria o poder que as mercadorias têm no mundo capitalista de fazer com que as pessoas se movimentem em função de coisas.
É o culto do objeto pelo homem, produzido pelo próprio homem. De forma prática, é o modo como enxergamos uma mercadoria, um produto final, sem levarmos em consideração as relações metafísicas de produção envolvidas. Como se os objetos tivessem vida própria, como seu surgissem sozinhos, sem a intervenção humana.
E qual o segredo da mercadoria? O poder sobre as pessoas, uma inversão na ordem das coisas: nessa alienação seres humanos são comandados pelos objetos.
E você com isso?
De forma bem direta: fetichismo da mercadoria também é fetichismo da política. O que nos leva diretamente às ações de comunicação e marketing político, não acha?
Aqui, é importante registrar que entendo a expressão “candidato”, “político” e suas variações como qualquer produto ou serviço configurado por valores e ideias do arranjo social da cultura do consumo, ou melhor, bens de consumo que comunicam categorias culturais e valores; recursos sociais, materiais e simbólicos, mediados pelos mercados e consumidores. (essa posição teórica é apoiada em Mary Douglas, que vamos abordar em breve aqui na série. Para aprofundar essa leitura, tenho um artigo sobre o tema neste link)
O seu plano de ação de marketing político parte da lógica de produtificação/coisificação de um personagem. A escolha da roupa, da narrativa, das palavras a serem usadas com mais frequência, as expressões que devem ser evitadas a todo custo são processos que contribuem para a construção de um produto a ser “vendido” aos eleitores que resultam na fetichização desse objeto.
Aos da esquerda-marxista, lamento lançar luz para o fato de que a produção de vocês é parte da alienação de classes.
Aos anti-marxista, quero lembrá-los que a genialidade de Marx é tanta, que vocês, ainda que neguem, fazem uso de seus conceitos-chaves.
Críticas atuais
A lista pode não ter fim, então vou me concentrar em três abordagens.
Primeiramente, sobre o fetichismo que falei aqui, outros filósofos e sociólogos considerados neo-marxistas deram continuidade ao uso e aprimoramento do conceito. Pensadores da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, como Max Horkheimer, Theodor Adorno e Walter Benjamin, avançaram com produções sobre o fetichismo na indústria cultural. Filósofos contemporâneos como Gilles Lipovetsky e Antonio Negri discorrem sobre o fetichismo e as relações de trabalho e produção atuais.
Em seguida, vale compreender algumas críticas sobre o sistema econômico. E por que não falar de Durkheim, que já passou por aqui?
Durkheim defendia o “solidarismo”, uma forma de republicanismo radical que, segundo seus criadores Alfred Fouille e Léon Bougeois, era uma alternativa intermediária ao marxismo revolucionário e o liberalismo de livre mercado.
A ideia do solidarismo era superar a luta de classes a partir de um novo sistema moral baseado na noção de dívida comum para a sociedade e, o Estado, o administrador. ¯\(°_o)/¯
Pra fechar, vale a pena conhecer as críticas de filósofxs como Foucault e Butler.
Do primeiro reconhecemos tentativas de construir uma teoria não-marxista, inclusive um movimento político de esquerda não-marxista. Os marxistas o criticam pela sua noção de sujeito foucaultiano: o homem é apenas uma figura do saber contemporâneo, objeto de poderes, ciências instituições. Isso dá um fim ao conceito classe e, consequentemente, à luta de classes.
Em um quadro teórico similar, Judith Butler, na construção de sua teoria queer entende que a opressão não está ligada ao capitalismo em si, nem à relação entre o capitalismo e o patriarcado, mas à própria construção cultural do “ser homem” ou “ser mulher”. Com isso, busca a desconstrução da noção de identidades. Aos marxistas, da mesma forma que Foucault, Butler enfraquece a noção de ação coletiva e movimentos sociais organizados a partir de identidades.
Adendo
– Maíra, os cinemas estão fechados, manda aí um filminho massa pra ocupar o tempo.
– Toma.
Quem é o próximo
Max Weber chega para fechar a tríade.
Junto com ele vou mostrar como o conceito de “tipo ideal”, elaborado por ele no século 19, continua presente em seu dia a dia profissional no mercado do marketing político.